Hoje vou voltar a ter 4 anos; hoje vou voltar a onde fui muito feliz na minha infância; hoje vou-vos contar uma estória, uma estória de memórias.
Bolos Ferradura
Hoje não fomos para nenhuma fazenda.... eu e a minha tia ficámos em casa. Hoje o meu tio foi caçar.
Logo de manhãzinha fomos para a cozinha. A minha tia, como de hábito, preparou-me as sopas de café com leite.... partiu pão, que sobrou de ontem, aos cubinhos, juntou o leite, que fomos ontem buscar à vizinha do fundo do lugar, que tem a vaca Mimosa, e um nadinha de café, daquele que ela faz na cafeteira e que mexe, mexe, mexe e que o aroma se espalha pela cozinha, pela casa, pela rua acima.
Hoje temos uma tarefa importantíssima! A filha da prima Miquelina vai-se casar, e vamos fazer uns bolos, as ferraduras, para ajudar a prima, porque ela tem que fazer muitos, porque é tradição na aldeia, a noiva oferecer uma ferradura a todos os vizinhos e amigos da aldeia. Da arca, a minha tia, tirou uma saca, onde está a farinha, e tirou também o açúcar louro. Fomos ao pátio por trás da casa e trouxemos um limão, bem grandinho, bem amarelinho, e da capoeira das galinhas trouxemos ovos.
Em cima da mesa já estava tudo preparado, a farinha, o açúcar louro, uma pasta que a minha tia diz que é mágica e que vai fazer crescer a farinha, a manteiga, a erva doce, um pó branco com um nome muito estranho (bicabornato sódio), a canela, um limão, o sal, e uma chaleira de água que a minha tia amornou.
Da saca tirei 1kg de farinha com a ajuda de uma caneca, e pus dentro do alguidar de barro vermelho que a minha tia tinha pôs em cima de um banco. Ela juntou 500g do açúcar louro, e depois eu mexi, até o açúcar estar todo misturado com a farinha. Depois abriu uma covinha no meio da farinha, e eu pus lá 1 colher de sopa de erva doce, 1 colher de sobremesa de canela, 1 colher de café do pó branco, a minha tia derreteu 125g de manteiga, e pusemos lá também. Ela raspou a casca do limão, e desfez a pasta mágica para a covinha também, e o limão pôs dentro da chaleiria com a água morna.
Juntou umas pedrinhas de sal e depois começou a misturar tudo. Ia puxando a farinha de fora para dentro, de vez em quando juntava uma colher de sopa da água morna, e voltava a misturar a farinha, sempre de fora para dentro. E mexeu, juntou água, mexeu, voltou a juntar água, mexeu, mexeu, até que estava tudo misturadinho, de tal forma que conseguia pegar na massa e ela se descolava do alguidar e das mãos muito fácil.
Depois, pediu-me para abrir um pano de cozinha em cima da mesa, e salpicar o pano de farinha. Ela colocou a massa em cima do pano, e depois disse-me:
-Agora vamos bater na massa! Queres bater-lhe? Claro que queria! Então ela disse-me:
-Bates-lhe e vais afastando a massa para o lado, percebeste?
-Acho que sim. - disse eu.
E fui fazendo. Batia e esticava, batia e esticava, e depois voltava a juntar tudo. Era bastante difícil...
Passado um tempo a minha tia disse que já estava bom. Voltou a juntar a massa como uma bola, e embrulhou-a no pano. Colocou-a novamente no alguidar, tapou com outro pano e disse-me:
-Agora vamos embora e logo à tarde quando vier-mos vais ver que houve magia, vais ter uma surpresa.
Fiquei em pulgas!! Qual seria a surpresa?
A meio da tarde, a minha tia pegou no alguidar, e fomos para casa da prima Miquelina. Ela já tinha acendido o forno da lenha, e enquanto esperávamos que o forno ficasse só meio quente, fomos começar a moldar os bolos. Quando a minha tia destapou o alguidar é que eu vi! A bola da massa estava enorme, tinha crescido tanto! Era pura magia, ela tinha razão! Ela foi cortando bocadinhos de massa e eu fui enrolando a massa no formato de salsichas. Depois ela dobrava os bocadinhos de massa, no formato de luas, mas com a perninhas afastadas, dizia ela, para não casarem antes de tempo! e punha-os num tabuleiro, um pouco afastados, que a prima já tinha untado de óleo. Depois de já estarem todos os bolos nos tabuleiros, a minha tia partiu um ovo para uma caneca, mexeu, e depois com uma pena de galinha, passámos ovo em cima de todos os bolinhos.
-É para ficarem bem douradinhos. -disse-me a minha tia.
Depois foram postos no forno.
-Agora demora muito tia?
-Não Leninha.... uns 20 minutinhos. Vamos fazer uma gemada para o lanche? Quando acabarmos de comer já devem estar prontos e bem douradinhos.
-Simmmmmm vamossssss!
Quando voltámos, a prima Miquelina tirou os bolos do forno, e lá estavam eles, grandes e douradinhos, e cheiravam tão bem!
Amanhã, a filha da prima Miquelina, vai, com uma colega, distribuir os bolos pela aldeia, de porta em porta, um bolo por cada pessoa da família!
Eu já pedi para ir com elas! Também quero dar os bolinhos que ajudei a fazer!
Hoje saboreei memórias.
Nota: A receita foi feita tão tradicionalmente como me foi possível. Tentei respeitar todos os passos e preceitos da receita que a minha tia tão prontamente me passou. Infelizmente não tenho forno a lenha (quem sabe um dia!), pelo que tive de os cozer num forno electrico convencional. Teriam sem dúvida ficado com outro aroma e sabor, mas estes deram perfeitamente para matar saudades de outros tempos.
A tradição segundo a minha tia, ainda se mantém na aldeia.